Silêncio!

«O silêncio, cultivá-lo no relacionamento com os outros, para lá da sua experiência como embaraço, da sua utilização como reacção a um inaceitável e complexo estado de coisas e da sua alternativa perante o fracasso das palavras.
 


Há inúmeros modos de comunicar, mas aquele a que seguramente estamos mais habituados é o que acontece, todos os dias, pela palavra, escrita ou falada. O silêncio, ainda que constitua uma forma de comunicação, é geralmente utilizado como estratégia ou maneira de lidar com situações hostis, entendendo este interromper ou até negar uma comunicação em curso. Mas ao contrário do que esta atitude possa levar a intuir, o silêncio nunca foi ausência, muito menos negação de alguma coisa. Mesmo nas experiências mais apofáticas, ou na história que procura a origem das coisas, o Momento, apelidado tantas vezes de Primeiro, sempre foi testemunhado como o ribombar de uma relação entre um número infinito de vozes.
 
Há muito, porém, que o silêncio deixou de fazer parte da nossa cultura, apesar de existir tão ou mais repleto de sinais (signum), quanto os outros estilos de linguagem. O ser humano é geralmente educado para a sonorização da palavra, para as rádios e televisões, e não para a prática do silêncio, na relação com o mundo. Por isso ele é tão incómodo em casa, na escola, no trabalho, à mesa… acabando, quase sempre, por ser sinal de que algo não está bem, salvo os casos em que é revelador do amor, de uma amizade profunda ou de uma admiração emocional.
 
O silêncio não será certamente uma forma privilegiada de comunicação, mais próxima da verdade das coisas. Na verdade, de ouro será todo o comunicar que se adeque, da melhor forma possível, à interpretação de cada momento. Não deixa, no entanto, de fazer sentido, nos tempos que correm, pensar a cultura do silêncio em oposição à cultura do barulho.»
 
In  Revista Cais, N.º 97 (Abril 2005)
 

Published in: on 30/06/2005 at 18:28  Deixe um Comentário